sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Um local: uma vida, uma morte



Há muito muito tempo atrás, quando começaram a surgir as primeiras auto-estradas, uma família ficou sem lar. A via referida estava projectada para passar mesmo no local onde os primeiros tijolos ganharam forma, erguendo o corpo da casa dessa família. Solução? A mais simples, claro. Derrubar a dita casa, indemnizando os donos desta.
Nessa casa, outrora havia sido gerada uma criança, fruto do amor do casal que nela habitava. Estes, tristemente, deixaram o local onde deram vida aos seus primeiros sonhos, onde festejaram aniversários, natais, onde fizeram refeições intermináveis, onde descansaram ao som da aparelhagem localizada na sala de estar…
Com o dinheiro que receberam (merecido dinheiro) construíram novos sonhos, começando por um novo edifício.
Passado anos houve um acidente naquela auto-estrada. Resultado? Dois feridos graves e uma criança morta. Ironia do destino, se recuássemos até ao tempo da casa, viríamos que o local do despiste ficava precisamente sob o que antes havia sido um quarto, onde havia dormido um casal, onde havia sido idealizada uma criança, onde fora efectivamente consumada.
E como que se de uma moeda se tratasse, aquele local assumiu duas faces: uma de vida e uma de morte.
Sabemos lá o que é para sempre, o que nunca sairá do lugar…só uma coisa podemos tentar presumir: o amanhã será uma nova experiência. Não é relevante de que cariz seja, importa que seja e nada mais.

Sílvia Gonçalves

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Tu

Posso fazer-me esquecida
E abandonar-te num degrau qualquer.
Posso ser a névoa perdida,
Um monstro em corpo de mulher.

Posso compreender a tua vontade
E ver a sinceridade que transmite.
Mas desprezo essa qualidade,
Por muito que não a evite.

És alguém que odeio
Mas que gosto de ter.
O meu maior receio?
É um dia te perder.

Sílvia Gonçalves

domingo, 12 de setembro de 2010

Sensações




Era um dia expectante
Que contornava a razão
E sem cavaleiro andante
Percorri o coração.
Parando no tempo
Sem esboçar pontos finais,
Colei cada fragmento
Sem danos colaterais.
Brasas me aquecem
E cristais se agitam
Quando as nuvens escurecem
E as gaivotas gritam.
Pintando painéis de luz
Respiro o ar que emudece
E tão de repente seduz
O pobre que enlouquece.

Sílvia Gonçalves