sábado, 28 de março de 2009

Indefinição




Tens algo no olhar
Que reflecte quem sou
E sinto, ao respirar,
Que o amor soou.
Descontrolas meu coração
Que perde os ritmos compassados
Como um navio sem direcção,
Que procura tesouros espalhados.
Desenho os sorrisos
Que me fazes esboçar,
Por entre cabelos lisos
E pele a suar.
Nunca te senti perto,
Mas tuas palavras bastam
Para me levares do deserto,
Onde as areias se afastam.
Foi um sonho viver,
Gritar teu nome na tempestade,
Com a água a escorrer,
Limpando o pó e a saudade.

Sílvia Gonçalves



quinta-feira, 19 de março de 2009

Possuir


É um caso perigoso
Este de nos prendermos a alguém,
Seja no domínio amoroso
Ou noutra relação que se tem.

Vive-se em constante agonia
Pelo medo de perder
Essa nossa companhia,
Que nos ajuda a viver.

Possuímo-nos uns aos outros
Com um poder soberano
Como se fossemos uns loucos,
Saindo do domino humano.

É grave
Isto de possuirmos outrem,
Mas quase ninguém sabe
Que é possuído também.

E quando as pessoas se afastam,
Para onde dirigir o apego?
Todas as mágoas bastam,
Para se viver em desassossego.

Sílvia Gonçalves

terça-feira, 17 de março de 2009

Vegetal


Quem me dera ser um vegetal
De cor indefinida,
Que crescesse num quintal
Duma rua escondida.

Gostava de ter raízes vorazes
Para saciar minha fome.
Encolher-me como fazes,
Vegetal que se consome.

Gostava de ter veias de verdura
E de sentir o orvalho ao romper do dia,
Numa constante procura
De água fresca e luzidia.

Ser vegetal é ser livre.
É não ter que pensar.
Um vegetal vive
Apenas para alimentar.

Não tem contas a pagar,
Não tem mulher nem marido.
Nem sequer consegue ponderar
Que um dia será ingerido.

Gostava de ser vegetal
De ser este não ser.
Seria algo, afinal
Até alguém me comer.


Sílvia Gonçalves

quarta-feira, 4 de março de 2009

Saudade


Eram tão bons os tempos
Em que fazia bolos de terra,
Repleta de pensamentos
Que se misturavam com a erva.

Eram simples os momentos
Em que me deitava sobre as flores,
Vislumbrando os acontecimentos
Que eram acompanhados de odores.

Eram felizes os instantes
Em que molhava os pés
Em águas límpidas, brilhantes
Sem marinheiros ou marés.

Era lindo construir cabanas
Onde vivia alegremente,
Sem males ou artimanhas.
Era bom ser inocente!


Sílvia Gonçalves