domingo, 18 de abril de 2010

Só te resta a voz



Suaves e cintilantes copos de cristal pousam nos teus finos e delicados dedos. Não és tu que neles pegas. Eles pousam em ti.
Vestidos de seda contornados a renda deslizam-te pelo corpo. Não és tu quem os veste. Eles caem sobre ti.
O teu leito incita-te a dormir. Não és tu que nele te deitas, é ele que se chega junto a ti.
Nasceste para ser princesa. Nada fazes. Tudo está destinado a envolver-te e a desvendar os teus mais velados segredos.
Há um misticismo em ti. Em tudo que pensas. Em tudo que és.
Apenas uma coisa em ti é movida pelo teu ser, sem precisar de vontades alheias: a tua voz. Cantas arrepiantes melodias que fazem ondear a água do pequeno lago do teu jardim.
A maior força dos homens contínua a ser a sua voz!


Sílvia Gonçalves

sábado, 3 de abril de 2010

Prefiro gravar


Recordar não é necessariamente mau. Se fizer da realidade um livro de recordações vou permanecer enclausurada numa gaveta coberta de pó e marcada pela velhice.
Inovar a cada dia não é necessariamente bom.
Restam dúvidas que nos levam a questionar o nosso fundamento existencial.
Às vezes custa, outras não.
Ressaltar paredes e becos faz crescer.
Arranhar as nuvens com a ponta dos dedos dos pés faz rir.
Fazer cascatas de choro faz florescer uma nova floresta.
Escorrer sangue numa pedra limpa não é sujar, é purificar.
Tocar harmonias românticas faz contorcer os corações e estremecer a alma.
Todas estas sensações são reversíveis e passam a cada segundo no diapositivo da nossa curta e melada vida.
O que, com gozo, gosto de fazer é deixar as fotos de lado e usar gravações. Não é que o som e o movimento me fascinem incomensuravelmente. Mas é pelo prazer de fazer batota com a vida que teima em fragmentar todos os momentos quando o que quero é que neles permaneça a continuidade.
Vida, não és só tu que brincas!

Sílvia Gonçalves

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Às vezes sim, às vezes não


Esta noite sonhei um passado que julgava apagado.
Foi tão doce e real.
Será que a fortaleza de um sentimento forte nunca se pode desvanecer?
Quando abri os olhos, desejei contornar a situação com um breve suspiro.
Será que para sempre haverá pedacinhos de ti em mim? Talvez a teia que me tenhas lançado ainda não se tenha descosido na plenitude.
Sei que em ti já não existo. Talvez se os nossos olhares se cruzassem não fosse bem assim. Mas…ainda bem que não cruzam. Não quero voltar a sentir o peso de te apagar.
E a sensação do teu abraço ainda persiste em mim. Talvez para sempre exista no meu ser fragmentos do ser que foste e já não és. Mas não quero saber. A sensação até é boa. Pena ser irreal.
Mas, para me consolar, sinto orgulho no que em mim ainda existe. É sinal que não foi em vão tudo o que, um dia, no mais sentido abraço, te prometi.


“E uma lágrima cai, a cada beijo teu. Esta noite sou, dona do céu. Eu não sei quem te perdeu.”

Sílvia Gonçalves