sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Olhares deambulatórios


Já nem o céu azul consigo ver. Na minha mente, ele adquire os tons do teu olhar. Sei que apenas eu o vejo assim. Porque o céu é azul.
Existem várias aves a sobrevoá-lo, atravessando, assim, o teu olhar. Certamente nem as vês. Mesmo elas te invadindo os olhos. Porque o teu olhar está reflectido no céu apenas para mim.
Mal nascem os primeiros raios de sol, lá está ele. Que olhar tentador, místico, persistente. Dói olhá-lo por causa da intensidade da luz. Então, aguardo pacificamente a chegada da lua. Altura em que já não magoa olhar teus olhos. Eles brilham na escuridão.
Como os distingo de entre as estrelas? É simples. As estrelas são pequenas e os teus olhos ocupam todo o céu. Ocupam todo o céu que eu consigo alcançar. Porque, apesar do teu olhar estar por toda a parte, o meu é pequeno de mais para o abranger a todos os instantes.
Há dias em que o procuro e não encontro. Mas sei que está lá. Vejo as aves a contornarem-te o rosto.
É só por isto que as aves alteram as suas trajectórias. Para evitarem bater contra os olhares que no céu andam perdidos, à deriva.
Por isso, quando olharem o céu e vislumbrarem aves a voar em linha recta é porque vocês não estão a olhar com atenção e não vêem olhares perdidos.
Há dias em que o nevoeiro nos cega. Mas logo virá a luz do sol. E a seguir a da lua, que já não magoa.
Sílvia Gonçalves

Lençol branco


Um lençol estendido
Faz lembrar a neve pura
Que cai no solo esquecido
De uma ladeira escura.

Só o vento o agita.
Ele não tem forças para isso.
O sol é quem o purifica,
Salientando o seu branco maciço.

É feito de fibra boa.
Tecido que vale a pena.
Só a noite o apazigua.
Assemelha-se à lua serena.

Nele podemos descobrir
Todos os sonhos que temos.
E, se necessário, esculpir
Estes versos que escrevemos.

Sílvia Gonçalves




Um último adeus


Trago o peito apertado.
É triste este fado.
Uma vida a menos.
Somos meros seres terrenos.
Que descanse eternamente.
Seja relembrado ao sol poente.
Já as memórias se agitam
em locais onde as almas gritam.
Seja feita a sua vontade.
Já paira no ar a saudade.
Somos pequenos demais
Para sermos imortais.
Que a viagem seja curta
Sem ser preciso haver luta.
Armas e armaduras de ferro forte
Não fazem frente à morte.

Descanse em paz…

Sílvia Gonçalves