quarta-feira, 9 de junho de 2010

Prisão da alma

Os dedos mexem autonomamente
E a cabeça começa a fervilhar.
Nunca vivo calmamente
Porque estou sempre a pensar.

Ser fútil e vazia
Talvez menos me inquietasse.
Queria paz um só dia!
Algo que me libertasse.

Cada raciocínio feito
Um desejo a emergir.
Oh, o meu maior defeito
É esta necessidade de redigir.

Assim, vivo para as páginas
Que em branco se mostram,
Impondo apenas duas margens
Onde as minhas mãos encostam.

Sou prisioneira da literatura.
Não tenho o meu próprio viver.
Até esta amargura,
Estou a soltá-la a escrever.

Um papel e uma caneta
São o meu oxigénio
Como a prótese o é para o perneta.
E não…não sou nenhum génio!

Chega a ser doloroso
Não conseguir pensar em seco.
Que castigo maldoso
As letras serem o meu beco.

Fecho os olhos e pronto,
Lá vem a imaginação
Que faz ponto de encontro
Com a minha intuição.

Agora mesmo devia estudar
E pousar este maldito bloco.
Mas não paro de pensar
E a folha é o meu foco.

Já nada mais há a esperar.
Este é o meu viver.
E só quando parar de respirar
Deixarei de escrever!

Sílvia Gonçalves

Sinto a Natureza em mim

Há certas alturas
em que a Natureza me altera.
O meu temperamento oscila.
Como, por exempo, quando chove.
Pareço não ser quem era,
há algo em mim que morre.
Sinto grande melancolia.
Tudo fica cinzento
e os odores desse dia
são amargos,
trá-los o vento.
Sinto que a Terra
me corre no corpo.
Mudo o que sinto de lés a lés.
Anseio correr o mundo
mas nem sequer mexo os pés.
E quando a chuva, por fim, grita
só me apetece chorar.
Há mesmo dias tristes
em que não queria acordar.
Quando um trovão ecoa
bem alto, lá no céu
a minha alma anda à toa.
Se, porventura, o sol brilha
a minha pele radia,
os meus gestos ficam largos,
aproveito bem o dia
e os humores não andam alterados.
Sinto o enorme poder da Natureza em mim.
Penso que me daria bem na selva.
Seria livre e apenas escreveria
pondo de lado todas as burocracias, enfim.
Que feliz me sentiria!


Sílvia Gonçalves