O sentimento de amor vivido por muitas pessoas reparte-se por gavetas fechadas e papeis rasgados. Se não fosse o dia dos namorados, muita da gestão desse amor nunca seria feita. Nunca iriam parar aos sítios certos os momentos adequados e jamais os carinhos e afectos rumariam até aos locais ajustados.
Para muitas dessas pessoas, esse dia é uma forma de recorrerem à mesma loja de sempre, a fim de comprar as mesmas rosas de sempre, com o mesmo aroma de sempre e envoltas no mesmo tom de sempre.
Regra geral, o dia de S.Valentim obriga os casais a embrulhar o desprezo num papel apelativo, tentando simular o romance perfeito e esperado.
As horas passam, os dias passam, os anos passam…tudo parece saturar.
Mas porquê que o amadurecimento não parece ser compatível com amor? Porquê que o coração não se enruga com o entrar na velhice? Porquê que as pessoas não permitem uma proporção de amor por entre anos e anos de convivência?
Não faz sentido alguém deixar os elogios à porta, pensando que as pessoas já os adivinham. Eles são sempre necessários. E não vale evitar o perdão com a desculpa de que os erros e trapalhadas já se tornaram hábito.
Não faz sentido algum parar de olhar nos olhos como outrora, ansiando a mais doida proeza. Não devia ser permitido parar de sonhar, olhando todas as situações como previsíveis e, por isso, despidas de magia.
Devia ser proibido o “há tanto tempo que já te conheci” e obrigatório o “ainda bem que te conheci”.
Tudo bem que com o passar do tempo o coração pode deixar de ser vermelho. É normal que aconteça. Mas porquê que ele não assume várias cores? Cada experiência passada assumia um tom e, assim, o amor não se perdia e ia-se enriquecendo cada vez mais.
E também já não faz sentido pensar que o amor tem de ser vivido à beira mar numa noite de luar. O amor pode e deve ser sabedoria mais que aventura, para poder sobreviver no tempo e enraizar - se no coração.
Quanto àquele tipo de amor, se é que este pode ser categorizado, que só se alimenta na noite, na cama, tenho sérias restrições perante ele. Pois a cama pode assumir o estatuto de um palco, onde apenas se finge, não se vivendo a plenitude do amor. Curiosamente, a cama até está mais elevada relativamente ao chão, tal como um palco.
Para concluir, penso que o amor é como o humor: só aparece com o passar dos anos. Só depois de muito se aprender é que estes têm lugar na nossa vida.
Amar tem de ser mais do que dar e receber. Amar talvez apenas seja ser e ser-se, de modo sincero.
Sílvia Gonçalves
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