Andam a deambular na alameda
Pedaços de tecido, pedaços de seda.
Eram de corpos nus que se mataram
Na penumbra da manhã
E que, despidos, lá ficaram
Onde já só resta a cor roxa e vã.
Foram amantes, feiticeiros.
Nunca real sorte o saberá.
E fragmentados ou inteiros
A sua alma sucumbirá.
Jazerão apodrecidos
Os corpos nunca intrometidos.
Abandonados na natureza ingrata,
Que mais lhes roubou que prometeu,
Escorregaram na cascata
Feita do suor que é meu.
Sílvia Gonçalves
É sabido que as coisas nascem e morrem. Realmente elas nascem. E, de facto, também morrem.
Quando as alianças são retiradas, ainda subsiste por muito tempo a sua sensação, o seu peso, a sua forma e o seu poder, a sua carga simbólica e afectiva. Há ainda a considerar a marca literal que fica na pele. Uma pequena tira fina mais clara que a restante. Assemelha-se à pequena parte que a pessoa a ela correspondente ainda ocupa no coração. Mas, com a força inexorável do tempo, essa marca acaba por esbater-se, não se distinguindo mais os tons na pele sofrida.
À medida que essa marca se oculta, oculta-se também a imagem da pessoa que se amou. Cada vez é necessário um esforço maior para se conseguir recordá-la. Os seus traços não são visíveis como sendo bem definidos. Já para não falar do seu odor. Este apaga-se por completo e só é evocado quando um muito parecido paira no nosso ar.
As coisas evoluem e as mais velhas da vida, as que ficaram bem lá atrás, acabam por morrer. Sílvia Gonçalves
Não me incomodam as planícies cobertas com o teu pó, nem a água que transpiras. Pouco me importa se cais e não te levantas. Se te feres e sofres.
Minto. Importa-me bastante, embora seja errado. Embora o tempo se tenha esquecido de nós. Penso em ti. Preferia não o fazer. Seria um alívio se me libertasses dos teus braços de fingir, se me deixasses romper livremente o caminho, se te esquecesses de mim sem esquecer totalmente. Eu queria apagar-te de uma só vez, de rajada, sem olhar para trás. Sem que restassem indícios cultivadores de um novo amor. Queria quebrar todas as raízes num ápice. Dói quando os sentimentos adoecem sem morrer, ficando pequenas pontas soltas. Pequenas de mais para voltar a serem semeadas e grandes de mais para serem esquecidas.
Sílvia Gonçalves
Se aceitares falar comigo prometo que vou medir as palavras. Que só ousarei dirigi-las com carinho e ternura. Que não vão magoar nem deixar dúvidas. Porque, no fundo, o que quero, o que sempre quis, foi o teu bem, a tua felicidade. Se, por vezes, não parece é porque me embrulho nas sílabas e tropeço nos sentimentos.
Nem precisas falar comigo, afinal. Basta estares lá. Chega-me saber que estás presente, algures e que essa presença é real para além da imaginária que reside no meu coração, alterando os seus batimentos.
Só não aguento suportar a tua perda para alguém, por algum motivo, por determinado tempo. Não quero que sofras, por isso, também não permitas o meu sofrimento. Sei que para isso deverias saber que penso em ti, todos os dias. Mas a fachada é mais alta do que eu. E, assim, resigno-me a pequenos recortes teus quando talvez pudesse ter a tela. Mas são recortes talhados de amor e dedicação, não são meros flagras que te extraio de relance. Todo o teu ser está bem pensado dentro de mim. Tens formas e contornos bem estabelecidos pois levo os dias a delinear-te e passo as horas a cuidar de ti, secretamente. Se alguém perguntar digo que é mentira porque o amor não pode ser forçado. Não podes saber que o sinto se não o sentires também. Sílvia Gonçalves