O casaco verde estava pendurado no fogão, na cozinha. Foi meu. Depois, usou-o a minha mãe porque me ficava ligeiramente comprido. Depois, começou a ficar-lhe apertado e comecei a usá-lo novamente. Eu, mãe, eu. Ela deu-me à luz, eu estou a ser efetivamente eu agora, um dia cuidarei dela. Papéis/empréstimos de um casaco que se trocam e entrecruzam. O dito casaco verde fez lembrar-me alguém que o to...cou diversas vezes, alguém cujo nome nem ouso referir, foi um alguém. Pronto, já passou. Mas o casaco, porém, permanece e insiste em lembrar-me desse alguém que o tocou e que, consequentemente fez parte do seu tecido verde. Na verdade, ele não é apenas verde: possui também riscas azuis, laranjas, brancas e azuis novamente, e laranjas, e brancas…possui um padrão de riscas, pronto. Mas, na sua maioria, é efetivamente verde. A minha vida também era efetivamente de uma cor: vermelha. Sim, possuía algumas riscas também (as vidas nunca são nítidas, nunca possuem apenas uma única cor). Hoje talvez viva sobra um arco-íris, não possuo, de forma alguma, uma única cor. Talvez viva com mais incertezas, menos segurança, mais dúvidas de percurso mas também mais ousadácia (ousadia + audácia), esperanças e horizontes possíveis. Sinto que sou do mundo e não de alguém: sensação boa de se experimentar.
Sílvia Gonçalves
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