segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Pela porta semiaberta vislumbrei as faíscas do serralheiro, da sua profissão, da sua arte, da sua vida. As faíscas saídas da rebarbadora incidiam sobre ele, fundiam-se com ele do mesmo modo que um filho dá a mão ao pai. No fundo, aquele serralheiro é o pai daqueles feixes de lume que impressionam todos, menos a quem as produz. São já partes da sua vida, como os dedos o são das mãos. Porém, quem nã...o está habituado a tal oficio comtempla este fenómeno de faíscas incandescentes como algo com uma certa perigosidade, algo que está na margem, que pode ferir, que provém de uma máquina e as máquinas são perigosas. Traem os sentidos! O que produzem é exatamente o mesmo que ingeriram. Nós, pessoas, não somos assim: o que produzimos nunca é igual ao que deixamos entrar, fluir e cultivar-se em nós.Hoje, ao ver aquele serralheiro, vi o perigo e a naturalidade, a mera reprodução e a fiel representação, senti interpretações e preguiças de pensamento (a tal mera reprodução)…somos veias e artérias mas também ferros e arestas que se prolongam em nós; somos fios de cabelo e olhar baço e atento mas também passos adormecidos num calçado qualquer; somos o tudo e o nada mas continuamos sendo…

Sílvia Gonçalves

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