sábado, 29 de outubro de 2011

Porque tudo não passou de um mistério. E o passado pode nunca ser revelado. Pode ser um mar de traições ou de ilusões. De vontades veladas e sonhos incertos. Riquezas apagadas e migalhas de esperança. Nunca chegamos a saber realmente o que os outros pensam face ao dilúvio de um olhar sincero. A incerteza faz parte, embora doa como quem anseia ouvir o tilintar dos talheres que precede o jantar: o conforto, e não pode.

Sílvia Gonçalves

domingo, 18 de setembro de 2011

Uma fragata ancorada na minha paciência.
Não me incomodo com nada,
Nem com a tua suprema ausência.

O chuveiro caído no chão
Ainda vertendo algumas gotas:
As lágrimas do coração.

Um esvoaçar de sentidos
Não mais aprisionados,
Jamais acometidos.

Sílvia Gonçalves

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Imortalidade distraída

Imortalidade distraída
Com a vida de ninguém
Por quem estás atraída?
Quem te mantém refém?

A tua função é importante.
Desperta novamente!
Faz o teu trabalho dilacerante:
O de manter vivo toda a gente.

Não fiques esquecida, neste Inverno
De corações frios e magoados.
Faz com que o amor seja eterno!
Não interrompas os fados.

Cumpre o teu dever,
A missão que te assiste.
Não deixes ninguém morrer
Nem o mundo ficar triste.

Sílvia Gonçalves

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Noite atribulada



Os vidros ficaram partidos
Naquele chão desfeito.
Embriagaste os sentidos
Adormecendo no leito.

Quando a manha tímida surgiu
Acordaste para o mundo,
Apenas o odor sumiu
Nas ruas onde sucumbo.

Paira um frenesim agreste
Que esvoaça no ar.
Nem o meu nome soubeste
Naquela noite, ao luar.

Foi um adeus perpétuo e misterioso
Que nem rosas deixou.
A recordação do momento majestoso
Foi tudo o que restou.

Sílvia Gonçalves


Tamanhos do coração



Rebolando sobre malmequeres
Tento congelar o tempo,
Esquecer-me do que queres,
Soltar a alma ao vento.

Escutando a água do ribeiro
Tento parar a Terra (em vão)
Que gira o dia inteiro
Num movimento de translação.

Só quando os pássaros calam
E o relvado fica sereno
Os pensamentos me abalam
E o coração fica pequeno.

Prefiro flores a betão
E frutos verdes a maduros.
Quando volta a crescer o coração
Aí sim, estou em apuros.

Sílvia Gonçalves

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Em todo este mundo
Encontro locais suspensos
Aos quais não pertenço.
Mesmo assim tu insistias,
Quebrando as minhas poesias.
Propago um suspiro profundo
Ao avistar rostos tensos
Quando perco, quando venço.
Todos os teus enormes estragos
Enredam os meus versos velados.
Quando falo, quando penso…

Sílvia Gonçalves

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Quando as estrelas começam a brilhar, a noite abre os olhos e observa o mundo com mais facilidade. Vislumbra os vales e as montanhas, restaurando a paz a cada lugar. Observa os rios e o Oceano, as praias e os prados, distribuindo calma a cada recanto.
Acontece, por vezes, cometer pequenos erros como dar as boas-vindas ao Verão antes de ter tido lugar a Primavera. Porém, quando lacunas dessas sucedem, o dia auxilia-a. Este último, apesar de não possuir estrelas que o iluminem, vê ainda melhor tudo o que acontece comparativamente à noite. Possui o sol.
A Natureza foi meticulosamente pensada e carinhosamente concebida.
Quando os camponeses tocam guitarra em torno das fogueiras é a noite que os escuta. Mas quando os pássaros chilreiam pela manhã é o dia que os ouve. Nisto vejo igualdade e justiça.
A lua está rodeada por estrelas e o sol por nuvens. A isto chamo companheirismo.
A noite sente o cheiro da terra adormecida e o dia sente o odor da terra erguer-se do seu sono profundo, o que revela o desfrutar os prazeres da vida.
Tanto num cenário nocturno como num diurno paira a vida que acontece, a magia da sucessão das horas…
Em cada noite nasce, pelo menos, uma vida. Em cada manhã há quem acorde com alguém do lado. Precisamos uns dos outros.
No mesmo minuto em que gira a roda de uma cadeira de rodas gira a roda de um moinho. E, no mesmo momento em que alguém deixa cair uma lágrima, há uma folha de árvore que transpira uma gota de orvalho. Trata-se de instantes coincidentes e ignorantes.
O nevoeiro que povoa as serras pretende ocultar a beleza das mesmas, esquecendo-se que, quando os raios de sol incidem sobre ele a sua luz, o cenário se torna ainda mais belo. É invejoso e avarento o nevoeiro ao querer guardar só para si cenário tão deslumbrante. Quando temos algo ou alguém valioso na nossa vida não devemos ocultá-lo. Devemos antes partilhá-lo com o mundo porque não somos donos de nada, mas apenas espectadores e meros acompanhantes. Tentar prender e/ou esconder um ser livre é dos maiores crimes que se podem cometer.
Por vezes, tento esquecer-me das coisas. Esquecer-me de mim mesma, até. Só para poder olhar tudo o que me rodeia de modo inocente, com genuína destreza. Com mais simplicidade.
Sempre que recuo o meu andar pretendo bloquear os sentidos e registar apenas um determinado momento temporal que, por algum motivo, mereceu a minha melhor atenção. Às vezes permaneço imóvel, outras

deambulo nem que seja com o pensamento.

Sílvia Gonçalves

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Pesca Dor


Não vás ao rio só hoje, temível pescador. Não queimes mais a cicatriz do rosto com este sol escaldante. Fica, vive, admira, contempla, aproveita, renasce! Nem só de trabalho vive o homem…
Cria laços para além do mar. Não fiques a imaginar sereias quando podes ter mulheres de verdade. Arruma as redes e deixa os peixes no Oceano. Veste a tua melhor camisa e vai jantar fora. Conhece pessoas, ri, bebe, dança. É tão bom dançar! Aposto que até hoje nunca dançaste (balançar no barco com a agitação da maré não conta).
Faz-te à vida antes que ela se faça a ti e te trame. Cria o teu fado e conhece as pessoas certas para ti. Convém que seja gente humilde e sincera, dedicada e afável.
Um dia podes até construir uma casa, quem sabe. Não é necessário queimares a tua velha cabana, podes voltar lá de vez em quando, para sentires o que realmente é o conforto e o quanto estavas a perder.

Olha pescador, esquece tudo o que disse. Perdoa ter-me intrometido na vida que é tua, apenas tua. Sê feliz ao teu jeito, mesmo que isso implique apenas o mar, redes e um barco. Cada um sabe de si…


Moral da história: por vezes queremos tanto bem aos outros que nos esquecemos de ver que o nosso bem pode não ser o bem deles. Podemos não seguir os demais, nem concordar com as suas trajectórias mas temos de os respeitar!

Sílvia Gonçalves

Bailarina


Linda bailarina, dança.
Rodopia no palco que é teu.
Faz girar essa trança
Saltitando até ao céu.
A flauta já está a entoar
As mais doces melodias,
Que te farão dançar
Todos os dias.
Segue em frente
E dá passos de princesa,
Com o este sol poente
Que ilumina a tua destreza.
Cria uns ritmos só teus
Não permitas o intrometimento
De olhos alheios aos teus
Que te causem sofrimento.

Sílvia Gonçalves

Teatro !?


Suspanse.
As cortinas abrem.
A agitação da plateia faz vibrar os candelabros.
Com os diabos!
A actriz está morta,
O cenário desfeito
E o pobre ensaiador com uma flecha cravada no peito.
Tenham respeito!
Todas as vozes gritam,
Apenas uma suspira. Será a culpada?
A que manobrou a espada e o arco de flechas.
Não sejam lamechas!
Isto é apenas teatro, farsa, enganação.
Gemidos, lamurias e pregações.
É apenas o talento da imaginação
Acompanhado de cenas, actos e canções.

Sílvia Gonçalves


Cavalgando incertezas
Sob montanhas de ilusão
Lanço-me nas profundezas
Da lava ardente de um vulcão.
Eu sei bem que quero ir.
Tenho essa convicção.
Cavalgar sem partir
Mas partir-te o coração.
Há loucuras que afastam
E fazem tremer o mar,
Provocam ondas que desgastam
O doce verbo amar.

Sílvia Gonçalves

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Pensar custa



Um silêncio moroso. Uma mão estendida. Um grão de areia dentro do sapato que incomoda, magoa, chega a irritar. Proveio da erosão do teu pensamento, porque era Verão. No Inverno, encontras flocos de neve nas mangas do casaco, que derretem e não dás pela sua presença. Resultam do descongelamento da tua ilusão.
Conclusão: imaginar não custa; pensar desgasta, consome, chega a corromper…incomoda.


Sílvia Gonçalves

quinta-feira, 21 de abril de 2011

(Não)Aguento mais

Deambulo naquela ponte de madeira com buracos do tempo e ventos do infinito que quase me fazem cair. Mas aguento um pouco mais.
Salto para a relva molhada do orvalho e escorregadia do pólen mas mantenho-me firme ao chão. Aguento um pouco mais.
Vou pela rua que chove com um chapéu que voa mas a chuva não me molha. Eu aguento mais.
Corro num prado deserto a fugir de lobos que me cercam mas não me prendem. Aguento ainda mais.
Atravesso uma auto-estrada sem olhar mas os carros não me atingem. Aguento mais e mais.
Dou passos cautelosos, medindo as esquinas estreitas e o ar envolvente e cai sobre mim uma árvore. Não aguento mais.

Sílvia Gonçalves

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Quando falta o "eu" surge o "outro"

Fecha a porta, se não queres ver ninguém. Nunca a abras o número de vezes correspondente aos lugares disponíveis que tens no coração. Receio que não sobre nenhum deles para mim. Receio que a luz que de ti emana não seja suficiente para ver os locais que piso. Receio ter de recorrer a uma candeia, que tem um brilho excepcional e subtil. Mas não é o teu.
Se, porventura, os nossos enredos não mais se cruzarem, não entristeças por isso. Deixa o fluir das horas arrastar os motivos e arrastar-nos a nós mesmos para uma vala comum, onde a nossa imortalidade se torne um doce acordar.
Os gestos sincrónicos que esboçamos distraidamente são pedaços de um tecido macio que nos envolve os corpos providos de energia. Não é a energia que vem do sol nem de qualquer outro estado da Natureza, é a que vem da nossa mente e se propaga pelos feixes dos sentimentos. Se escolhêssemos as intuições como fazemos com a roupa que vestimos todos os dias, a vida diluir-se-ia em fragatas de miséria e vazio.
Existe sempre alguém, em algum lugar, no mais oculto recanto, pronto a estender-nos a mão e a cuidar de nós como quem cuida de si mesmo. É a lei da solidariedade humana. Do olhar para o outro com a mesma ternura com que nos olhamos as espelho. Com mais ternura ainda. Não nos foi dada oportunidade de escolher o que somos, por isso, temos a capacidade de amar os outros, como forma de colmatar essa pequena lacuna da génese humana. Ao nos deixarmos cativar por alguém tudo em nós assume um formato duplo que converge para a unificação.
O amar erradica a consciência que nos pertence. Passamos a ser comandados, orientados, sofrendo alucinações terríveis que nos oferecem a mais pura melodia. Acabamos os dias a vislumbrar o luar como a criança que vê, pela primeira vez, uma bola de sabão a formar-se. E se a bola é levada com o vento para longe? E se cai no chão? E se rebenta com o nosso respirar? Não há problema algum. Não seria a única bola a passar pela vida da criança, embora pudesse ter sido a mais intensa, a mais amada, a mais verdadeira.
A nós humanos, que nada pudemos contra a força inexorável do sentir, cabe-nos fechar os olhos, de instante em instante, a fim de vermos melhor. A reflexão quase nunca traz algo de novo mas assimila os factos passados, propiciando um rumo mais certo para o futuro. Este, o futuro, de sonância fechada é na realidade um infinito oceano em aberto, apto a albergar os mais diversos navios, mesmo os que naufragarão com o tempo. Pois há sempre uma nova maré. Maré de luz, maré de esperança, maré de bocejos, maré de braços abertos, maré de sorrisos, maré de pregiça, maré de dedicação…




Sílvia Gonçalves

sábado, 5 de fevereiro de 2011


Andam a deambular na alameda
Pedaços de tecido, pedaços de seda.
Eram de corpos nus que se mataram
Na penumbra da manhã
E que, despidos, lá ficaram
Onde já só resta a cor roxa e vã.
Foram amantes, feiticeiros.
Nunca real sorte o saberá.
E fragmentados ou inteiros
A sua alma sucumbirá.
Jazerão apodrecidos
Os corpos nunca intrometidos.
Abandonados na natureza ingrata,
Que mais lhes roubou que prometeu,
Escorregaram na cascata
Feita do suor que é meu.


Sílvia Gonçalves

Alianças tiradas

É sabido que as coisas nascem e morrem. Realmente elas nascem. E, de facto, também morrem.
Quando as alianças são retiradas, ainda subsiste por muito tempo a sua sensação, o seu peso, a sua forma e o seu poder, a sua carga simbólica e afectiva. Há ainda a considerar a marca literal que fica na pele. Uma pequena tira fina mais clara que a restante. Assemelha-se à pequena parte que a pessoa a ela correspondente ainda ocupa no coração. Mas, com a força inexorável do tempo, essa marca acaba por esbater-se, não se distinguindo mais os tons na pele sofrida.
À medida que essa marca se oculta, oculta-se também a imagem da pessoa que se amou. Cada vez é necessário um esforço maior para se conseguir recordá-la. Os seus traços não são visíveis como sendo bem definidos. Já para não falar do seu odor. Este apaga-se por completo e só é evocado quando um muito parecido paira no nosso ar.
As coisas evoluem e as mais velhas da vida, as que ficaram bem lá atrás, acabam por morrer.


Sílvia Gonçalves
Não me incomodam as planícies cobertas com o teu pó, nem a água que transpiras. Pouco me importa se cais e não te levantas. Se te feres e sofres.
Minto. Importa-me bastante, embora seja errado. Embora o tempo se tenha esquecido de nós. Penso em ti. Preferia não o fazer. Seria um alívio se me libertasses dos teus braços de fingir, se me deixasses romper livremente o caminho, se te esquecesses de mim sem esquecer totalmente. Eu queria apagar-te de uma só vez, de rajada, sem olhar para trás. Sem que restassem indícios cultivadores de um novo amor. Queria quebrar todas as raízes num ápice. Dói quando os sentimentos adoecem sem morrer, ficando pequenas pontas soltas. Pequenas de mais para voltar a serem semeadas e grandes de mais para serem esquecidas.

Sílvia Gonçalves

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Se

Se aceitares falar comigo prometo que vou medir as palavras. Que só ousarei dirigi-las com carinho e ternura. Que não vão magoar nem deixar dúvidas. Porque, no fundo, o que quero, o que sempre quis, foi o teu bem, a tua felicidade. Se, por vezes, não parece é porque me embrulho nas sílabas e tropeço nos sentimentos.
Nem precisas falar comigo, afinal. Basta estares lá. Chega-me saber que estás presente, algures e que essa presença é real para além da imaginária que reside no meu coração, alterando os seus batimentos.
Só não aguento suportar a tua perda para alguém, por algum motivo, por determinado tempo. Não quero que sofras, por isso, também não permitas o meu sofrimento. Sei que para isso deverias saber que penso em ti, todos os dias. Mas a fachada é mais alta do que eu. E, assim, resigno-me a pequenos recortes teus quando talvez pudesse ter a tela. Mas são recortes talhados de amor e dedicação, não são meros flagras que te extraio de relance. Todo o teu ser está bem pensado dentro de mim. Tens formas e contornos bem estabelecidos pois levo os dias a delinear-te e passo as horas a cuidar de ti, secretamente. Se alguém perguntar digo que é mentira porque o amor não pode ser forçado. Não podes saber que o sinto se não o sentires também.


Sílvia Gonçalves

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Ondear da vida

Só o ondear das ondas
Pode justificar
O ir e vir
Sem nunca ficar.
Restam a areia, as algas, os rochedos
Que se associam ao sal
E afogando todos os medos
Fazem sentir-me um coral.
A água tocava-te o rosto
Quando me tentavas alcançar
E sem um barco posto
Começavas a remar.
Foram coisas que ficaram.
Eu sei lá se elas irão.
São sapatos que se descalçaram
E nunca mais pisaram o chão.

Sílvia Gonçalves

Tempo

Tempo vagabundo,
Que deambulas no escuro
Por favor, pára o mundo
E liberta o meu coração duro.

Recorre às mais frias cascatas.
Mas trava os minutos
Em que me resgatas
Desses braços tão brutos.

Teimas em ser inexorável.
Bem podias abrir uma excepção
Para que fosse memorável
O instante da minha libertação.

Sílvia Gonçalves

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Um sonho

Uma sensação mais que perfeita,
Sublime e quente.
Não foi inusitada. Não foi eleita.
Foi expiração de quem sente.

Houve tentativas de controlo,
De renegar a magia.
Mas com o avanço do rolo
Cada imagem progredia.

O flash disparou.
A respiração foi breve e espaçada.
Até a lua reparou
Nesta nossa emboscada.

O duro foi acordar,
Ver que a imagem se apagou
Em virtude de estar a sonhar.
E “tudo o vento levou”.

Sílvia Gonçalves