terça-feira, 18 de agosto de 2009

Amor numa matrícula


Quando alguém viaja, uma das coisas que prende a sua atenção são as matrículas dos automóveis pertencentes ao seu país. Se vamos para fora, ao avistarmos matrículas portuguesas cresce em nós patriotismo ou este nasce, se até então nunca o tínhamos sentido.
Manifestamos uma enorme fraternidade para com esses condutores que, tal como nós, vagueiam por terras tão distantes das origens.
Se, por outro lado, estamos dentro do nosso país o que cresce ou nasce em nós é a falta de civismo e a inimizade. É estranho, mas é o que acontece.
É necessário ir para terras distantes para expressarmos o amor à pátria, o amor à nação?
Depois todo o mundo se queixa dos nossos governantes, quando o amor a Portugal, primeiramente, deveria ser expresso por nós mesmos. Cidadãos activos na vida social pertencente ao seu país de origem, ao país que nos gerou. O patriotismo devia sair de nós de modo genuíno e nunca activado por uma matrícula qualquer.
Esta situação é o mesmo que amar apenas os nossos filhos quando eles estão fora de casa porque dentro estão demasiado perto e nem os notamos.
Conclui-se que é preciso sentir falta para acolher em vez de acolher porque se sente falta.
É o mundo que temos.



Sílvia Gonçalves

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

A minha poesia

Poesias indeléveis
Estas em que mergulho,
Rompendo alianças e anéis,
Rompendo tristeza e orgulho.

Vida alta.
Vida ousada
Que se vai, já não volta.
Vai até divisar a madrugada.

Sou uma rosa,
Nem sempre negra.
Pois se em mim corre poesia e prosa
De rosa, passo a seda.

Conchas, lamparinas e flores
Nada têm em comum.
São como todas as dores,
Concebidas para cada um.

Meu doce, alado e fiel poema
És o que melhor me sabe escutar.
Absorves-me dilema a dilema.
És o meu suave despertar.

Sílvia Gonçalves

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Doce...não como mel, sim como um beijo


Foi recentemente. Numa cerimónia religiosa.
O sacerdote que fez o sermão (e que belo sermão) disse algo que me fez reflectir. Foi mais ou menos assim: Jesus, palavra tão doce que só é possível pronunciar com um beijo.
Inicialmente, esta frase intrigou-me pelo que julguei que fosse uma espécie de metáfora usada para realçar a doçura, a divindade de Jesus. Só depois, alheia ao que se passava à minha volta, pronunciei a palavra “Jesus” para o meu intimo e notei que os meus lábios adquiriam a forma de um beijo. Como aliás os lábios de toda a gente que proferisse a mesma palavra.
Ali, naquele instante, percebi a frase do sacerdote. Frase inteligente, pensei.
Fui criada envolta na fé cristã e só aos 18 anos me dei conta que só conseguimos proferir a palavra “Jesus” com os lábios prontos a beijar. Como que prontos a beijar essa mesma palavra. Coincidência? Há coisas que dão que pensar. Se não fosse o estar ali, naquela igreja, naquele dia, estou certa de que nunca iria dar-me conta deste mistério desarmado.
Quantas vezes estamos tão perto e tão longe de coisas magníficas. Coisas simples que ganham forma e dimensão por isso.
Naquela hora senti-me rica. Mais rica até do que se tivesse lido 20 obras de um escritor romano qualquer.
Há coisas que nos aumentam a sabedoria. E há coisas que, para além disso, aumentam o nosso ser. Esta, nem sei bem porque razão (talvez pela simplicidade) foi uma delas.


Sílvia Gonçalves

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

É tudo uma questão de mãos

Em todos os segundos passados uso as mãos. Uso as mãos para sentir, uso as mãos para tocar, uso as mãos para acariciar.
Todos os momentos marcantes da nossa vida envolvem mãos. Não que as outras partes do nosso corpo não sejam relevantes. Todas elas têm a dura função de nos proporcionar vida. Mas as mãos…
Todas as emoções que sentimos recaem sob elas e através delas se transmitem. As mesmas mãos que servem para acariciar servem também para ferir.
Costumo olhar para as mãos como quem olha para uma montanha. À primeira vista tão difícil de alcançar como as mãos de quem muito desejamos e depois podemos escalá-la com a simplicidade de um lagarto. Assim como, dotados de humildade e amor, alcançamos as mãos da pessoa mais ausente que temos na nossa vida. Ausente até esse momento.
Para mim, o acto tão banal de dar as mãos continua a ser o mais verdadeiro e sublime de todos. Mais belo que o próprio beijo ou que o abraço.
Ao terminar a guerra apertam-se as mãos. Mãos…símbolo de paz!
Até numa discussão de pessoas que se gostam muito as mãos não param de se acariciar mutuamente. A minha mão na tua e a tua mão na minha. Mesmo sem notarmos, elas enlaçam-se tão meigamente. São mais verdadeiras que nós. E existe imagem mais bela do que essa? Duas partes indispensáveis de corpos diferentes formando uma parte só.
Dedo a dedo as mãos unem-se e dominam a saudade, a tristeza a solidão. Dedo a dedo as mãos dominam o mundo.
As coisas belas da vida passam pelas nossas mãos e é com elas que as saboreamos.

Sílvia Gonçalves

sábado, 8 de agosto de 2009

Amo-te de longe, ou talvez só goste de ti



Estás aqui. Mas não sabes que estás. Por uma única razão: nunca to disse. Nunca fui capaz disso. Receio que não esteja em ti da mesma forma que estás em mim. Receio abusar disso. Mas estás. Por momentos, certamente já o sentiste.
Tantas vezes te imagino. Soubeste ser especial. És meu bem e meu mal.
É custoso viver assim. Não nego. Mas é bom ter-te, seja de que modo for. E o modo que escolhes-te para mim é um modo bom.
Pertencemos a circunstâncias diferentes. Para mim, isso não é desculpa. A desculpa não existe. Assumo não ter coragem. Mas estou bem assim.
Serás sempre uma pessoa importante. Não é possível quantificar o que sinto por ti, o meu enorme orgulho em tudo que és.
Pessoa quase perfeita. É isso que és para mim.
Estás perto, estás ausente. Já me habituei.
As palavras que um dia me disseste valem esse momento e o agora. Valerão sempre.
Tratas-me de modo diferente. Só ainda não descobri se isso é bom ou mau. O simples facto de ser acalenta as minhas noites vazias. Reformulo: noites de imaginação em que soubeste ser especial.
Aguardo o futuro. Por enquanto é só.

Sílvia Gonçalves

quarta-feira, 5 de agosto de 2009


Sou como uma rosa negra,
Só, perdida e destroçada
Que é feita de espinhos e seda
De tristeza e de mágoa.

Não tenho jardim onde morar
Vivo à deriva do tempo
Sem alimento, estou a secar
Por fora e por dentro.

Cada pétala uma desilusão
Cada espinho um castigo
Árido é o meu coração
E sangra, ferido…

Quem me dera poder ser
Cascata numa floresta
Com água sempre a correr
Purificando o mundo que não presta.

Apenas as raízes me agarram
Não tenho vida nem cor
E os raios de sol amargam
Perdi tudo, não tenho amor.

Anseio uma tempestade
Que me arraste para os confins do Universo
Onde não impere o mal nem falsidade
e onde volte a florescer, suavemente, verso a verso.

Sílvia Gonçalves

A minha fé é real


Religião sem fundamento.
Tecto por abrigar.
Pássaro livre e sedento,
Rodopiando pelo ar.

Conventos fechados
Sobre a fé do momento,
Disfarçando pecados
E os males do pensamento.

Hipocrisia sem findar.
Desculpas que cegam
Quem julga acreditar
Nas escrituras que se elevam.

Cruzes fictícias
E chagas de mentira
Que enganam as perícias
E as dores de uma ferida.

Sinos que ao tocar
Propagam mortes e horror,
Que fazem o povo gritar,
Aclamando o Senhor.

O meu Deus não faz magia
O que quero, tenho de lutar
Para o obter, um dia.
Não me chega de um altar.

Sílvia Gonçalves

UM DESAFIO

Só o gato o entendia.
Ali, sentado, contava os dias até voltar para casa. Não gostava daquele lugar. Fora obrigado a mudar-se, com os tios, sem saber bem porquê. “É só por algum tempo Zezinho”-diziam.
Na realidade, é difícil explicar a uma criança de cinco anos, versátil como ele, que o pai estava a morrer, vítima de cancro. Era difícil dizer que ele não podia estar junto do pai durante algum tempo até a doença estabilizar ou……….a vida do seu pai ter um término.
Zezinho não entendia. Sabia que algo não estava dentro da normalidade.
Ali, com o gatito cinzento no colo, olhava pela janela aquela que julgava ser a direcção da sua casa.

ESTA HISTÓRIA NÃO ESTÁ CONCLUIDA! (como deves ter reparado)
LANÇO AQUI UM DESAFIO: algum blog continuar a história, sem a terminar, passando-a a outro blog e assim sucessivamente.
Vamos usar este mundo virtual para cruzar a imaginação de muitos com a originalidade de alguns :)
Quem quiser ser o primeiro a continuar esta história deve deixar um comentário nesta postagem, advertindo da sua intenção a fim de que não continuem com a história mais do que uma pessoa, em simultâneo.
Bjs, fico à espera que gostem de desafios :)
Imaginar é ir mais além, sem sair do lugar!

Se eu me perdesse no deserto? Juro que não sei o que faria. Talvez caminhasse até perder as forças.
Quantas vezes as nossas vidas são desertos: vazias e secas.
Talvez escrevesse: HELP ME na areia, em letras tão grandes quanto o meu desespero, na certeza de que algum ser aéreo (talvez um avião) conseguisse ler o meu pedido. Pedido que duraria apenas os poucos minutos em que o vento não se lembraria de arrastar a areia.
Talvez emitisse sons na esperança de que alguém me ouvisse, quem sabe um animal. Mas por pouco tempo, não podia perder as forças.
Se eu me perdesse no deserto, apesar da esperança da qual o meu corpo é composto, tenho a convicção de que morreria. E tu? Que farias se te perdesses no deserto?

Sílvia Gonçalves

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Tela





Relembro muitos traços
Que a névoa tenta ocultar,
Lançando espelhos baços
E ruídos de assustar.

Existem escadas que conduzem
Onde nunca quero estar
E candeeiros que reluzem
O brilho do teu olhar.

De olhos fechados
Alcanço-te melhor.
Vislumbro os momentos passados.
Momentos de eterna luz, eterna dor.

É uma vida pintada a pincel
Esta que sozinha percorro,
Formando a tela mais fiel
De todas as vidas de entre o povo.

Sílvia Gonçalves

domingo, 2 de agosto de 2009

Partes de mim

A pele uso para sentir.
O corpo é o meu engenho,
Ao qual recorro para transmitir
Todas as sensações que tenho.

Meus olhos são amoras
Que teimo em cultivar,
Por entre ânsias e demoras,
Sem nunca cegar.

Ao meu suor
Os meus poros não se opõem,
Transpirando também o amor
Que os meus ventrículos compõem.

Tenho unhas de ilusão
E mãos de recados.
Construo o meu coração
Com tijolos de pecados.

Fios de ceda
Nascem em mim
Como erva na alameda
Num dia de frenesim.

Sou partes oblíquas
Que forçadas, se conjugam
Como máquinas agrícolas
Que a terra perturbam.

Sílvia Gonçalves

sábado, 1 de agosto de 2009

Almas <<------>> Corpos

As almas
Compõem rituais,
À noite,
Sob a luz da lua.

Dançam baladas.
Habitam corpos especiais.
Encarnam a escuridão.
Elevam-se nuas.

Os corpos
São prisões cercadas,
Redes de emoções,
Páginas caligrafadas.

Tocam melodias
Tentando evoluir.
São partes imaturas,
Pedaços por sucumbir.

Sílvia Gonçalves


Viva o Verão!


Momentos agradáveis,
Enlaçados na água do mar,
Alheios à areia fina.
Momentos quentes,
Momentos molhados.
Sorrisos que cercam
Os acontecimentos normais.
Vozes misturadas
Como bolas de bilhar.
Amizades saudáveis
Pairam pelo ar.
Nuvens em baixo e em cima
Dos beijos calmos e ardentes.
Namorados enrolados
Que já nem pecam,
São actos banais.
Toalhas molhadas
Teimam em reinar.

Sílvia Gonçalves


Tempo para reflectir


Durante estes 18 anos da minha existência que tenho sido alvo de muita inveja, falsidade e traição, de modo a que me era dificil encarar determinadas pessoas, em certas situações. Até que um dia, um amigo me mandou uma sms enorme a explicar como eu deveria proceder nessas alturas. Aconselhou-me a imaginar que eu estava dentro de uma bola com uma trasnparênsia peculiar. Essa bola permitia-me ver para fora mas impedia que os outros ( as pessoas que eu queria evitar) me vissem dentro dela. Devo dizer que resultou!
Hoje, com mais maturidade ainda em cima e uma quanta dose de experiência, já não recorro a essa bola que me engolia mas protegia. Agora simplesmente passo por quem quer que seja e destribuo sorrisos. Os que os captam são dignos de toda a minha seriedade e respeito, os que os ignoram são dignos do meu desprezo. Chorar por essas "pessoas"?Nunca mais!
Porque só merece gostar de mim quem tiver dentro de si virtudes para isso.
Por isso, um conselho que vale para toda a vida: quem não gostar de vocês só vos está a ajudar a crescer e a construir uma muralha indestrutivel de coragem e ousadia. O mundo avança com o bem de uns e fortalece-se com o mal de outros.
Sílvia Gonçalves

Cansada da minha carcaça (gostava de vestir outra pele)

Como eu gostava
De ser sobrenatural.
A humanidade limita-me.
Gostava de não ter barreiras,
De poder voar,
De passar entre o fogo.
Gostava de morrer
E acordar quando quisesse.
A humanidade limita-me.
Gostava que tudo
Fosse acaso.
E acontecesse
O inesperado.
Gostava de atingir o inimaginável,
De chegar ao impossível.
Adorava ser uma criatura
Diferente e livre.
A humanidade limita-me.
Amava tocar todas as sinfonias
Num piano quebrado.
Eu só queria ser um monstro belo,
Um mostro com sentimentos.
Ter asas e velocidade.
Eu queria não pertencer aqui,
Queria ser doutra galáxia.
Mas…
A HUMANIDADE LIMITA-ME.

Sílvia Gonçalves

Morre lentamente…


…quem não sabe amar,
Quem foge dos perigos,
Quem cai na rotina,
Quem teme arriscar,
Quem nunca anda à chuva,
Quem não segue a emoção,
Quem planeia toda a vida,
Quem nunca salta o portão,
Quem não sabe abraçar,
Quem desaprendeu a sorrir,
Quem nunca pisa o risco,
Quem vive a dormir,
Quem se protege de tudo,
Quem não anda descalço,
Quem não se lança ao mar,
Quem não percorre o mundo,
Quem só fala com quem conhece,
Quem não se lança num amor proibido,
Quem nunca abusa do que gosta,
Quem nunca faz alarido.

Morre lentamente
Quem não sabe durar,
Quem teme ser diferente
E se recusa a amar.


Sílvia Gonçalves

Alta tensão


Barulho ensurdecedor,
Faíscas que caem.
Paredes de horror,
Fantasmas que saem.
Vidros partidos,
Véus rasgados.
Sonhos feridos,
Momentos apagados.
Alta tensão,
Que aumenta
O bater do coração.
Arde o sabor a menta.
Prendem-me o corpo
Com cadeados de aço.
Corpo vivo, corpo morto.
Corpo sem braços.
Momentos cristalizados
Com o sémen da vida.
Olhos abertos, olhos fechados.
Estanca-me a ferida.
Rumo desajeitado,
Este que me cerca
Para todo o lado,
Onde a essência peca.

Sílvia Gonçalves

Feiticeiro

Foste, és e serás
Um feiticeiro
Que engana, trai
E prende
O dia inteiro.

Olhos falsos,
Cabelo enganador
Que enlaça o vento,
Rasga a brisa
E reparte dor.

És tentativa forçada
De apagar o passado.
És a chama embaciada,
A janela fechada,
O cálice derramado.

Sílvia Gonçalves


Ideal de beleza? Para quê?

Não existem seres iguais,
Tirando excepções diminutas.
Então, não fazem sentido os ideais
Que nos conduzem a disputas.

Todos somos belos, simplesmente.
Não há como saber quem o é mais.
Isso seria apelidar alguém de diferente,
Fugindo das regras normais.

Olhos verdes, azuis, castanhos
Que diferença faz?
Para quê cuidados tamanhos?
O essencial é usufruir de paz.

Rugas ou pele lisa.
A pele é para sentir
Mesmo a melodia imprecisa
De quem já não sabe ouvir.

A beleza é relativa
Eu posso gostar de quem não gostas.
Achar uma pessoa atractiva
Mesmo apenas vendo-a de costas.

Não fazem sentido algum
As exclusões.
Adão era só um,
Logo não sofreu comparações.

Eva amou-o desde logo.
Mas e se houvessem mais?
Escolheria Adão de entre o povo
Ou render-se-ia às comparações fatais?
Eva e Adão,
Histórias sem certeza.
Mas o que importa é o coração
E não a suposta beleza.

Sílvia Gonçalves

Há momentos em que me apetece escrever aos fragmentos…

Es tou dis tan te,
Alhe ia a tu do
Co mo um vi a jan te,
Em ro ta pe lo mun do.

Sou pe da ços un i dos
Com von ta de i ne ren te,
Que fo ge dos pe ri gos
Nu ma lu ta cres cen te.

Há alturas, nesta caminhada denominada vida, que só escrevendo de acordo com o nosso estado de espírito é que as palavras se espraiam e conseguimos comunicar. Portanto, hoje, sinto-me fragmentada. Não fragmentada como uma estrela-do-mar mas fragmentada como um pedaço de papel que se rasga sem notar. Da estrela, resta-me apenas algum brilho que faço questão de preservar. Há momentos assim…

Sílvia Gonçalves