Numa noite, dançamos apertados Passos descompassados, Era pura paixão. E, sorrindo, Fizeste parar o tempo, Num doce movimento Que quase me emocionou.
E dançamos pela noite fora Até a hora de ir embora Como um real casal. E tu viste, o meu ser mais profundo Deste-me a volta ao mundo E apertaste-me junto a ti.
E as ondas, Quebraram nessa noite. O teu corpo dói-te Por estar tão junto ao meu. Paraste. Apertaste-me contra o peito Fizeste de mim teu leito Mas que momento especial.
E um beijo solta-se de qualquer jeito Foi um beijo imperfeito Não era para acontecer. E assim, calados olhamos a lua Com a alma toda nua. Foi o nosso viver.
Este é o único poema que se encontra neste meu espaço que não foi por mim criado. Coloquei-o aqui por ser dos meus sonetos predilectos e por ter um significado especial. Desfrutem de um exemplar de verdadeira poesia..
Amor é um fogo que arde sem se ver, É ferida que dói, e não se sente; É um contentamento descontente, É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer; É um andar solitário entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
O sentimento de amor vivido por muitas pessoas reparte-se por gavetas fechadas e papeis rasgados. Se não fosse o dia dos namorados, muita da gestão desse amor nunca seria feita. Nunca iriam parar aos sítios certos os momentos adequados e jamais os carinhos e afectos rumariam até aos locais ajustados.
Para muitas dessas pessoas, esse dia é uma forma de recorrerem à mesma loja de sempre, a fim de comprar as mesmas rosas de sempre, com o mesmo aroma de sempre e envoltas no mesmo tom de sempre.
Regra geral, o dia de S.Valentim obriga os casais a embrulhar o desprezo num papel apelativo, tentando simular o romance perfeito e esperado.
As horas passam, os dias passam, os anos passam…tudo parece saturar.
Mas porquê que o amadurecimento não parece ser compatível com amor? Porquê que o coração não se enruga com o entrar na velhice? Porquê que as pessoas não permitem uma proporção de amor por entre anos e anos de convivência?
Não faz sentido alguém deixar os elogios à porta, pensando que as pessoas já os adivinham. Eles são sempre necessários. E não vale evitar o perdão com a desculpa de que os erros e trapalhadas já se tornaram hábito.
Não faz sentido algum parar de olhar nos olhos como outrora, ansiando a mais doida proeza. Não devia ser permitido parar de sonhar, olhando todas as situações como previsíveis e, por isso, despidas de magia.
Devia ser proibido o “há tanto tempo que já te conheci” e obrigatório o “ainda bem que te conheci”.
Tudo bem que com o passar do tempo o coração pode deixar de ser vermelho. É normal que aconteça. Mas porquê que ele não assume várias cores? Cada experiência passada assumia um tom e, assim, o amor não se perdia e ia-se enriquecendo cada vez mais.
E também já não faz sentido pensar que o amor tem de ser vivido à beira mar numa noite de luar. O amor pode e deve ser sabedoria mais que aventura, para poder sobreviver no tempo e enraizar - se no coração.
Quanto àquele tipo de amor, se é que este pode ser categorizado, que só se alimenta na noite, na cama, tenho sérias restrições perante ele. Pois a cama pode assumir o estatuto de um palco, onde apenas se finge, não se vivendo a plenitude do amor. Curiosamente, a cama até está mais elevada relativamente ao chão, tal como um palco.
Para concluir, penso que o amor é como o humor: só aparece com o passar dos anos. Só depois de muito se aprender é que estes têm lugar na nossa vida.
Amar tem de ser mais do que dar e receber. Amar talvez apenas seja ser e ser-se, de modo sincero.
Aprendemos teorias que a vida adora contrariar. Seguimos regras que a vida quebra de modo constante. Afastámo-nos de quem devemos e a vida teima em unir-nos. Juramos ser “para sempre” e a vida mostra-nos o “fim”. Colocámos de lado o “jamais” e a vida (sempre a vida) atira-nos para o que evitamos. A nós, o que nos cabe afinal?
A ironia é ambicionar serem sonhos algumas das minhas realidades. Coisas más que vivi, bem poderiam ter sido pesadelos. Mas não. Como sempre, não posso escolher o destino. Sopro ao de leve para mudar o seu percurso. Às vezes resulta, outras não. São pétalas derrubadas as minhas investidas. Mas nem sempre. Já alcancei o pedestal saltando de pluma em pluma. E em saltos diversos fui ancorar no mar mais profundo. Houve ainda aquela outra vez em que, suspensa num balão de cristal fui derivar a uma ilha. Mais tarde, esta imergiu. Ou melhor, o Oceano degolou-a. Mas o que não me sai da memória foi o instante em que escorreguei na lama das artérias da minha mãe. E não bastou o equilíbrio que atingi lá no fundo, acabando por sair para o exterior. Esse sonho, essa dádiva, essa realidade resolvi chamar de: o meu nascimento.
Fim
Sílvia Gonçalves
sábado, 6 de fevereiro de 2010
Mas como não detenho em mim o poder absoluto do controle, acordei. E aquilo que, inicialmente, eram simples formas e depois corpos revestidos a cera que se libertaram não passaram disso. Já é cruel viver sonhos em detrimento da realidade mas não os poder findar agrava ainda mais a situação. Para quê que sonho? Porquê que sonho? Para quem são dirigidos os meus sonhos? Só incógnitas, nada mais que isso.
Continua…
Sílvia Gonçalves
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
Não se tratou de uma libertação repentina. Não. Fomos aparecendo suavemente… Primeiro a cera escorreu dos meus cabelos e depois dos teus. Agora eles já podiam mover-se com o vento, facultando-nos aquela leve sensação de pétalas a tocarem-nos o rosto. Depois a cera deslizou dos teus olhos. Pude, finalmente, apreender-lhes a cor. Eram cor de mel. Também o meu olhar foi liberto assim como todo o restante organismo que me compõem e permite viver. O mesmo aconteceu com o teu. Estávamos desprovidos da imobilidade, finalmente. Que mais iria acontecer? Será que ia acordar? Não queria sem antes saber o desfecho da própria história que criei. Restava-me aguardar.
Continua…
Sílvia Gonçalves
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Saí dali. Procurei outro refúgio. Fui dar a uma cabana coberta de pó. Também com pó estavam meus desejos. Movida pelo cansaço, adormeci. Sonhar a dormir é mais tolerável. O que iria a minha mente engendrar desta vez eu não sabia mas decidi correr o risco. Digamos que ela não foi muito criativa uma vez que deu continuidade ao meu sonho acordado. Naquela cabana coberta de pó, teci a continuação do mistério das sombras à beira rio. Eu era feita de cera e havia outro alguém também assim feito. Éramos corpos de cera que respiravam. Num instante e sem pedir licença, um raio de sol atingiu-nos. Fez-nos derreter. Não éramos feitos de gelo mas derretemos. Não foi o fogo a extinguir-nos mas foi o sol. Não éramos a história previsível que todos os contos albergam. Éramos nós. Felizmente que de cera não eram as nossas entranhas nem o nosso coração. De cera era apenas o manto que nos cobria. Assim, depois de o sol nos libertar ficamos genuinamente nós.
Avistei duas formas. Seriam corpos? Instrumentos melodiosos? Arvoredo? Seria apenas a minha imaginação que, ante sucumbir, decidiu funcionar uma última vez? Estaria eu a avistar realmente ou seria, uma vez mais, irreal? Decidi avançar. Ao lado havia um rio. A água tremia a cada passo meu, parecendo advertir-me. Era imaginação. Até o rio me tentou impedir da desilusão. Até o rio. Recuei. Deitei-me no chão macio. Procurei seguir a minha fantasia. Apesar de não passar disso, havia-me arrastado para aquele lugar. O máximo que podia fazer era permitir-lhe findar o seu enredo…ainda que falso e, por isso, inútil. Tantas vezes assim foi. Tentei agarrar os sonhos até eles se evaporarem como cinza que não aguenta ser apertada. Cinza que sufoca com o calor das mãos. Pouca diferença fazia. Estava ali, ia terminar a minha ilusão. Fechei os olhos e tudo continuou: as duas formas não saiam do lugar. Foram, sucessivamente, ficando mais nítidas. Eram corpos. Era o meu corpo! E era o corpo de outro alguém. Mas que faziam eles? Nada. Olhavam-se imóveis. Eram (concentrei-me), eram feitos de cera. Como poderia ter eu ansiado que se movessem? A cera é matéria inerte como inerte são os meus sonhos. Inertes após o momento do despertar.