sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Tão suave.
Tão amargo.
És a chave
Da porta que trago…
Cativas e abandonas.
Temes por tanto temer.
E, assim, me pressionas
Mesmo sem saber.
É relutante este sentir
Que não pressupõe o erro.
Deixando apenas de insistir
Porque, instintivamente, tem medo.
Sílvia Gonçalves

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Os teus gestos,
A tua face,
O teu respirar,
Transformam-me as frases em versos.
Lançam-me num enlace
Do qual não me sei despegar.

Como apagar-te
Agora que te desenhei?
Como esquecer-te
Se ainda agora te recordei?

Quem atribui rosas ao amor
Deveria antes frisar
Que é pelos espinhos e pela dor
Que se costumam associar.

Sílvia Gonçalves

sábado, 13 de novembro de 2010

Forte ligação


Eram dois corpos encostados
Que sem querer, se despegaram,
Assumindo contornos desajeitados
E logo depois se abraçaram.

Não suportavam a ausência,
O calor afável e o odor
De toda aquela essência
Designada de amor.

No Outono, no Inverno, no frio
Até o tempo parar,
Viviam noites a fio
Harmonizando o respirar.

Chegavam a ser simbióticos.
Não tinham independência.
Eram de ambos os pórticos
Para alcançar a tal essência.

As palavras não eram precisas
Para a comunicação ganhar sentido
E quando suspiravam brisas
Um e do outro se faziam abrigo.

Mais que o toque e a inspiração,
Surge a cumplicidade
Que já vem da concepção
Tornando-se elo de reciprocidade.

Sílvia Gonçalves

domingo, 7 de novembro de 2010




Turbilhões de febres esquisitas
Rondam os ares da montanha,
Nos espaços em que coabitas
E escondes a tua rude façanha.

Não és feita de seda
Nem áspera como a arriba.
Transpareces entre a labareda
A tua nua cinta descaída.

O estrelar do céu
Fica coberto de pólen.
Tudo não passa de um véu
Lançado por um bravo homem.

Há defeitos. Há feitios.
Não nos podemos mudar.
Repelem-te com assobios
Mas terás o teu altar.

Sílvia Gonçalves

sábado, 6 de novembro de 2010

Possibilidades




É uma possibilidade,
A lua reduzir o tamanho.
Ficar uma mão de saudade
Pertencente a um braço estranho.

Esse braço pode ser
O ramo da árvore dos livros,
Que se lêem ao anoitecer
Até se adormecerem os sentidos.

Esse livro pode ficar
Para sempre fechado.
A criança irá chorar
Sem o seu enredo narrado.

Mas é possível que ela cresça
Se torne velha até.
E que para sempre adormeça
Bastando tomar café.

Sílvia Gonçalves

domingo, 10 de outubro de 2010

Ervas daninhas


Apareceste-me na avenida
Sem pedir licença à razão.
Fui vagabunda, página lida.
Fui pegada no chão.

Entraste sem pedir.
Se pedisses, deixaria.
Quase sempre a sorrir
Preencheste-me o dia.

Foi tudo farsa, porém.
Fui pecadora e refém.
E as tua mãos nas minhas,
Não passaram de ervas daninhas.

Sílvia Gonçalves

sexta-feira, 8 de outubro de 2010


Hoje vou pintar com a luz da lua
Um quadro que dure a eternidade.
Que explique a minha boca na tua
Sem pudor, com simplicidade.

Vou pegar na mais bela cor
Para te contornar os lábios,
Renunciando todo o amor
Escrito por Camões e outros sábios.

De mochila às costas vou fugir.
Não quero ver o regressar.
Anseio longe me despir
Da roupa que me está a apertar.

Quero abraçar culturas
E sentir os odores do mundo.
Contactar com torturas
Que nos consomem a fundo.

Eu quero ser, ir e permanecer.
Respirar e dormir.
Para um dia me perder
Sem nenhum mapa a distrair.

Sílvia Gonçalves

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Um local: uma vida, uma morte



Há muito muito tempo atrás, quando começaram a surgir as primeiras auto-estradas, uma família ficou sem lar. A via referida estava projectada para passar mesmo no local onde os primeiros tijolos ganharam forma, erguendo o corpo da casa dessa família. Solução? A mais simples, claro. Derrubar a dita casa, indemnizando os donos desta.
Nessa casa, outrora havia sido gerada uma criança, fruto do amor do casal que nela habitava. Estes, tristemente, deixaram o local onde deram vida aos seus primeiros sonhos, onde festejaram aniversários, natais, onde fizeram refeições intermináveis, onde descansaram ao som da aparelhagem localizada na sala de estar…
Com o dinheiro que receberam (merecido dinheiro) construíram novos sonhos, começando por um novo edifício.
Passado anos houve um acidente naquela auto-estrada. Resultado? Dois feridos graves e uma criança morta. Ironia do destino, se recuássemos até ao tempo da casa, viríamos que o local do despiste ficava precisamente sob o que antes havia sido um quarto, onde havia dormido um casal, onde havia sido idealizada uma criança, onde fora efectivamente consumada.
E como que se de uma moeda se tratasse, aquele local assumiu duas faces: uma de vida e uma de morte.
Sabemos lá o que é para sempre, o que nunca sairá do lugar…só uma coisa podemos tentar presumir: o amanhã será uma nova experiência. Não é relevante de que cariz seja, importa que seja e nada mais.

Sílvia Gonçalves

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Tu

Posso fazer-me esquecida
E abandonar-te num degrau qualquer.
Posso ser a névoa perdida,
Um monstro em corpo de mulher.

Posso compreender a tua vontade
E ver a sinceridade que transmite.
Mas desprezo essa qualidade,
Por muito que não a evite.

És alguém que odeio
Mas que gosto de ter.
O meu maior receio?
É um dia te perder.

Sílvia Gonçalves

domingo, 12 de setembro de 2010

Sensações




Era um dia expectante
Que contornava a razão
E sem cavaleiro andante
Percorri o coração.
Parando no tempo
Sem esboçar pontos finais,
Colei cada fragmento
Sem danos colaterais.
Brasas me aquecem
E cristais se agitam
Quando as nuvens escurecem
E as gaivotas gritam.
Pintando painéis de luz
Respiro o ar que emudece
E tão de repente seduz
O pobre que enlouquece.

Sílvia Gonçalves

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Se...

Se sou areia
És maré cheia.
Se sou luar
És o meu despertar.
Se és frescura
Eu nasci para ser tua.

Sílvia Gonçalves

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Lição de vida nº2


Era uma paisagem descoberta que em nada chamava a atenção. Não era daqueles panoramas que se colam à vista, ofuscando-nos os sentidos. Possuía um pequeno cavalo feito de trapos cuja base era de madeira.
Quem via tal local seguia em frente, sem fotografar, sem criticar, sem mudar a respiração.
Com a sucessão dos dias e das noites, o referido cavalo foi envelhecendo. Com o passar das Primaveras e dos Outonos, foi degenerando. Nessa altura, quem por lá passava já perdia um pouco do seu tempo a contemplar tal objecto. O que seria? Tinha tão mau aspecto. Para que servia ou teria servido? Já tiravam fotografias na possibilidade de, mais tarde, vir a perceber aquilo que outrora havia sido um cavalo de trapos.
Quando os acontecimentos correm pela normalidade nem os notámos. Passam ao lado. Se, porventura, algo os modifica, nem que seja o simples mas incómodo passar dos anos, já são alvo de cuidadas atenções. Até os nossos sentidos são interesseiros.

Sílvia Gonçalves

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Lição de vida nº1


Nem sempre as palmeiras se agitam com a força da brisa que corre. Por esse motivo e muitos mais, que não importam aqui deixar, ela partiu rumo ao deserto. Foi sozinha nessa jornada perigosa.
Caminhou dias a fio sobre areia delicada onde escreveu palavras efémeras.
De mochila às costas apeou-se por entre os cactos daquele solo arenoso na procura de algo mais vivo que ela, mais vivo que aqueles cactos transpirando verdura, mais vivo que o lagarto fugitivo que por lá passou.
Precisava de algo preso à vida que a fizesse sentir o sangue a correr nas veias e os poros a dilatar de pressão.
Não era aventura que ambicionava, não era diversão, não era loucura. Queria sentir a agitação suave da vida, o trémulo passar do tempo, os trilhos do destino.
Pouco lhe importava esbarrar contra um avião despenhado pois seguiria o seu caminho sem abrandar a marcha. De nada lhe serviria encontrar um poço repleto de água pois, se ele existisse, já estaria cercado de outras vidas. Nem só ela anda perdida pela vida.
Sentou-se para desenhar o sol a esconder-se nas dunas. Os seus dedos soavam tanto que deixou escorregar o lápis, o qual rebolou pelo chão por força da grande agitação do vento. Duas incongruências presenciadas: o sol tornar-se mais forte ao desaparecer e o vento soprar mais forte numa zona de baixa altitude. Era isto que ela queria - dificuldades. Pois só quem as vive é que vive realmente.
E ali, sem ser necessário encontrar algo mais vivo que ela, acabou por encontrar vida em si mesma. Por vezes, vamos tão longe procurar o que está guardado bem dentro de nós.

Sílvia Gonçalves

O que para mim são milagres

Acho milagre a pele se regenerar,

Acho milagre a lua preceder o sol,

Acho milagre um ser humano nascer de outro,

Acho milagre a água apagar o fogo,

Acho milagre uma árvore respirar,

Acho milagre a sucessão das luas,

Acho milagre bastar fechar os olhos para dormir,

Acho milagre ver sem olhar,

Acho milagre....VIVER!



Sílvia Gonçalves

terça-feira, 3 de agosto de 2010

A origem das coisas



Uma folha mostrou-se nua, possibilitando o visionar dos seus feixes de seiva. Era verde e possuía pintas escuras.
Uma mulher despiu-se, possibilitando o visionar das suas veias. Era escura e possuía olhos pretos.
Misturaram-se no mar. A mulher e a folha. A primeira nadava e a segunda boiava.
A água do mar é salgada porque a mulher soltou lágrimas nela e possui ondas porque a folha rodopiava nela também, originando pequenos tufões.
É tão fácil desvendar mistérios quando sentimos em nós o pólen da imaginação.
Sem dúvidas não haveria lugar para a fantasia. Por sua vez, sem esta não haveria espaço para os sonhos. Seria tudo exacto e recto. Não gostava de viver assim. Por isso, incertezas ainda bem que existem.

Sílvia Gonçalves

segunda-feira, 2 de agosto de 2010



Se para ti sou selvagem
E espinhos me cravam o coração,
Estás a viver uma miragem
Que não é futuro, é recordação.

Se o tempo para ti não avança
E preferes colar-te ao chão,
Forma um novo modo de esperança
Que te preencha o coração.

Esperas mesmo conhecer
A alma de tudo o que ficou.
O difícil é viver
Com o grito que ainda não soou.

Percorro em bicos de pés o mundo.
Eu sei onde quero ir.
Sei navegar no azul profundo
E sei como fazer-te sorrir.

Sílvia Gonçalves

Pisa - nuvens


Foi num aeroporto. As nuvens apresentavam-se estendidas pelo chão, estavam reflectidas.
As pessoas caminhavam normalmente. Ora levantando um pé, ora levantando o outro. Nem reparavam estar a pisar o céu. Foi aí que constatei que para além dos pisa papeis, existem pisa nuvens.


Sílvia Gonçalves

sábado, 17 de julho de 2010

Há nuvens no olhar


Sempre que corriam nuvens desprotegidas pelo céu eu sabia da proximidade de mais uma tempestade. Não era necessário o bramido das aves, o baile das folhas no ar, nem sequer as variações da temperatura.
Quando, um dia, fui ao mar, ousando navegar como um marinheiro, desbravou-se um aglomerado de nuvens escuras, pelas velocidades dos ventos. Por essa altura, rodopiava no ar um pedaço de tecido cor de trigo. Não fosse eu realista e acreditaria ter provido da roupa de alguma sereia.
Mas, voltando às nuvens… ninguém pode duvidar da sua efemeridade. As nuvens são os fracassos da vida. Não passam de gotas de desilusão que, um dia, acabam por escorrer, morrendo. Todavia, têm sempre a opção de purificar, lavando.
Só quero realmente dizer que as nuvens que nos assombram os olhos são reversíveis. Nunca duram para sempre.


Sílvia Gonçalves

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Amor entre margens


Era uma vez uma margem de um rio. E era uma vez a outra margem.
Uma chamava-se “margem esquerda” e outra chamava-se “margem direita”.
Viviam os dias olhando uma para a outra. Até onde uma se estendia a outra também. Se o rio dobra-se quase poderíamos dizer que eram simétricas.
As aves que pousavam nas árvores de uma iam contar os segredos desta à outra, pousando também nos ramos das suas árvores.
Todos os seus dias se contemplavam mutuamente com uma inocência tão natural que quase nem se apercebiam dos sentimentos que as levavam a olharem-se sempre e sempre.
Havia dias em que entre ambas se erguia um nevoeiro intenso, ocultando os seus contornos. Mas continuavam a ser margens que bebiam do mesmo rio. Continuava a existir o sentimento de existência cumulativo a cada uma.
Todavia, o que realmente as separava era o rio. Esta entrave de água tão extensa como a capacidade de amar. Não fossem as aves animais solidários e elas desconheceriam os murmúrios uma da outra. Por muito que tentassem gritar, o som da terra não se propagava por entre as águas. E por muita vontade que os peixes tivessem em ajudar, estes nada podiam contra o poder do chão.
O Homem criou as pontes para se unir com outros homens, não para possibilitar a união das margens! Mas a Natureza não dorme e, assim, criou as aves.
De tanto se olharem directamente, as margens sabiam de cor os traços uma da outra, sabiam as feições do relevo, sabiam a altura dos montes e sabiam onde se acumulada a chuva depois de cair. E, nesta atmosfera, quase sem notar, apaixonaram-se. Tão intensamente como intensa era a água que as separava.
Na vida dos Homens também existe amores que se contemplam uma vida inteira mas estão separados por uma força equivalente à de um rio, nunca chegando a juntar-se.
Serão as pessoas margens e os acontecimentos extensões de água?

Sílvia Gonçalves

domingo, 11 de julho de 2010




Há um batimento que sinto
Quando o meu olhar te alcança.
Há também pequenos tremores
Que sozinhos se propagam.
Vivo num labirinto
Onde o meu coração se lança,
Descobrindo todos os sabores
Que me purificam e lavam.

Sílvia Gonçalves

Lixeira - Génese da vida


Desde o dia em que ao mundo viemos e abrimos as mãos para abraçar, há muito para sentir, muito para descobrir, há mais para além do que somos.
Vivemos e desgastamos, e é este o nosso sentido. Todos os pedacinhos de nós, de coisas que utilizámos vão parar a uma lixeira. Esta alberga todos os pedaços de nós. Não se faz esquisita, tudo aceitando e de toda a gente.
As lixeiras são o retrato mais fiel da origem da vida. Tudo o que nelas se encontra pode voltar a ser usado, pode voltar a viver. Também nós, por muito usados e esmoídos que estejamos, podemos abrir os olhos a um novo amanhecer, podemos construir um novo viver.
Esta é a forma mais extraordinária de nos regenerarmos: reconhecer as impurezas, descartá-las e seguir rumo a um novo sol, que nasce todos os dias da mesma forma, mas é contemplado variavelmente.



Sílvia Gonçalves

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Pontos pretos em céu azul



Houve um dia em que vi
Um céu azul com pontos escuros.
E quando a avenida subi
Eles permaneciam para além dos muros.

Muros que dividiam
As herdades da avenida.
E os pontos escuros subiam
Fazendo sombras naquele dia.

Não eram do mesmo tamanho
Nem de igual simetria.
Embora pareça estranho,
Eles enevoavam o dia.

Eram mais que reis e rainhas
Que neste dia, me intrigam.
Afinal são andorinhas
Que nesta época migram.

Sílvia Gonçalves

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Formulando um poema





Formas contorcidas
Que lisas não sois
Quem vos deformou?
Ou quem vos formou assim?

Formas onduladas,
Formando ângulos rectos
Quem vos entortou?
Quem foi que vos formou?

Formas desengonçadas
Que para nada servis
Foi por força do vento
Que assim ficastes?

Formas formuladas
Que formulam a formulação
Formai também os Homens,
A moldar o coração!


Sílvia Gonçalves

Alvo errado





Com mil flechas,
Atingi o fruto que não devia,
Onde uma serpente se contorcia.

Agora há que fugir de repente
Não venha ela atrás de mim.
Sim, falo da serpente.

Se me morde
Pára-me o coração.
Disso percebiam Eva e Adão.

Esses desafiaram o perigo.
Também havia fruto pelo meio,
Era o tal proibido.

Mas eu só queria saciar a fome.
Que falta de precisão!
Eu não sou Eva de nome.

Já é quase de manhã.
A serpente perdeu-me de vista.
Posso, finalmente, saborear a maçã!
Sílvia Gonçalves
Frutos existem milhares. E serpentes também. O que conta é a intenção.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Prisão da alma

Os dedos mexem autonomamente
E a cabeça começa a fervilhar.
Nunca vivo calmamente
Porque estou sempre a pensar.

Ser fútil e vazia
Talvez menos me inquietasse.
Queria paz um só dia!
Algo que me libertasse.

Cada raciocínio feito
Um desejo a emergir.
Oh, o meu maior defeito
É esta necessidade de redigir.

Assim, vivo para as páginas
Que em branco se mostram,
Impondo apenas duas margens
Onde as minhas mãos encostam.

Sou prisioneira da literatura.
Não tenho o meu próprio viver.
Até esta amargura,
Estou a soltá-la a escrever.

Um papel e uma caneta
São o meu oxigénio
Como a prótese o é para o perneta.
E não…não sou nenhum génio!

Chega a ser doloroso
Não conseguir pensar em seco.
Que castigo maldoso
As letras serem o meu beco.

Fecho os olhos e pronto,
Lá vem a imaginação
Que faz ponto de encontro
Com a minha intuição.

Agora mesmo devia estudar
E pousar este maldito bloco.
Mas não paro de pensar
E a folha é o meu foco.

Já nada mais há a esperar.
Este é o meu viver.
E só quando parar de respirar
Deixarei de escrever!

Sílvia Gonçalves

Sinto a Natureza em mim

Há certas alturas
em que a Natureza me altera.
O meu temperamento oscila.
Como, por exempo, quando chove.
Pareço não ser quem era,
há algo em mim que morre.
Sinto grande melancolia.
Tudo fica cinzento
e os odores desse dia
são amargos,
trá-los o vento.
Sinto que a Terra
me corre no corpo.
Mudo o que sinto de lés a lés.
Anseio correr o mundo
mas nem sequer mexo os pés.
E quando a chuva, por fim, grita
só me apetece chorar.
Há mesmo dias tristes
em que não queria acordar.
Quando um trovão ecoa
bem alto, lá no céu
a minha alma anda à toa.
Se, porventura, o sol brilha
a minha pele radia,
os meus gestos ficam largos,
aproveito bem o dia
e os humores não andam alterados.
Sinto o enorme poder da Natureza em mim.
Penso que me daria bem na selva.
Seria livre e apenas escreveria
pondo de lado todas as burocracias, enfim.
Que feliz me sentiria!


Sílvia Gonçalves

terça-feira, 8 de junho de 2010

Poema espelhado





Já me incorporei na peça.
Vesti o meu papel.
Emparelhei contigo.
Decorei o cenário.
Tirei a roupa do armário.
Já interpreto o que digo.
Sou um retrato fiel.
Quero que alguém me despeça.

Prefiro viver o real.
Que também veste disfarces.
Que tem máscaras veladas.
Que procura aclamação.
Sou dona do meu guião.
Não conto as minhas passadas.
Dou abraços e não enlaces.
Sou personagem leal.

Sílvia Gonçalves

Preocupação





Que incerteza
Me inquieta a alma,
Prende-me o corpo.
Tira-me a calma.

Até hoje sempre consegui.
E daqui para a frente?
Que angustia me cerca.
Mas sempre assim vivi.

Dou voltas na cama,
Nem os sonhos são bons.
Acordo na dúvida
Que nem duvida se chama.

Sílvia Gonçalves

domingo, 6 de junho de 2010



Talvez seja franja de mar
Ou pétala solta ao vento
O que de ti me faz ritmar
Neste poema brando e lento.

Talvez sejam os sonhos vontades
Que se reprimam no inconsciente
Ou pedaços de herdades
Onde se colhe a semente

Talvez esses grãos germinem
Ao cair na terra lavrada
E os astrólogos examinem
Uma amena alvorada.

Talvez seja branco o papel
Ou manchado em tinta incolor
Sem ser necessário haver pincel
Se também não há corrector.

Talvez o que escreva seja vago, vão
E se difunda no infinito.
Mas rodopia-me no coração
De um modo que é regra, doçura e mito.

Sílvia Gonçalves

sábado, 5 de junho de 2010

Força externa



Há uma grua que me arrasta,
Quase me arrebenta por dentro
Para essa imagem gasta
De ferida aberta ao vento.

O fim é o meu limite
E o inicio o final.
Se a cronologia me permite
Ficarei sempre imortal.

Não sei o espaço
Que as algas ocupam no mar
Mas o meu já está gasto
Foi ocupado de amar.

Vou fechar as persianas.
Amanhã é um novo dia
Em que mais gruas virão
Até me levarem o coração.

Sílvia Gonçalves

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Versos desemparelhados



Reconhecer que uma lagoa
Certamente, pode verter
Não nos faz andar à toa
Pois é fácil de perceber.

Os amores não se comparam
E as luas mudam de fase.
As ilusões não amparam
Uma memória que Jaze.

São picos de rosas
Os dissabores que ocorrem
E por entre todas as prosas
Os pensamentos não morrem.

Tem formas o que hoje sinto
E não as conto a ninguém
Porque giram num labirinto
Do qual eu sou refém.

Folhas sacudidas pelo vento
São paisagem divinal
Que evocam todo o sentimento
Terreno ou celestial.

Sílvia Gonçalves

sábado, 15 de maio de 2010

Tarefa partilhada


A poesia é das coisas que me faz mais feliz.
Porém, a vida não é apenas feita de palavras, de versos e melodias. A vida é feita de pessoas! Por ti e para ti, Catarina Morais, mais conhecida por Michelle (Ca)Brito, a marine:


Existe uma dor adormecida
Que é ar, suspiro e respirar
E dá voltas em torno da vida
Aguardando um suave desabrochar.

Eis que te vejo surgir,
Lento e sem compassos de espera,
Num murmúrio de quem não quis fugir,
Optando construir uma nova era.

Relembro as palavras que ficaram
E mesmo as que ficaram por dizer.
Um tempo onde os amores findaram
E tudo o que vivemos só me fez sofrer.

É pó, sal, terra e luz
Tudo o que de nós parece restar.
Só uma coisa ainda me seduz
Que para mim vou guardar.

São frases soltas que ficam.
Os momentos, esses, hei-de apagar
Pois eles de mim abdicam.
Não é hora de recordar.

No fundo, tudo são desejos
De um passado que um dia sonhei.
Ficaram abraços e beijos,
Outrora ficou alguém que verdadeiramente amei!


Catarina Morais & Sílvia Gonçalves

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Só às vezes...



Só às vezes vale a pena.
Só às vezes ouço a tua voz.
Só às vezes importa referir.
Mudar o palco de cena.
Santos e heróis estão entre nós.
Só às vezes importa sorrir.


Só às vezes a música pára.
Só às vezes decoro o refrão.
Só às vezes sei como agir.
Olhar-te cara a cara,
Pegar-te na mão.
Só às vezes posso permitir.

Só às vezes o que resta volta.
Só às vezes me sei recompor.
Só às vezes procuro fugir.
Nem tudo me faz falta.
Escorro lágrimas e suor.
Só às vezes me apetece partir.

Sílvia Gonçalves

Naquela ponte



Naquela ponte,
Onde a lua se via
Fiz das artérias a fonte
Onde o teu corpo bebia.

Naquela ponte,
Onde andorinhas levavam barro
Até ao cimo do monte,
Acendeste mais um cigarro.

Naquela ponte metalizada,
Vendo barcos a passar
Ancorei-me como tua fada
E atirei-me até ao mar.

Sílvia Gonçalves

a 2007

Acolhera-nos aqui,
falaram de família
não percebi.
Até que a faculdade
se transformou em vontade.
já compreendi.
Esta casa de laranja
com o orgulho na lembrança,
que juntos os faz ir além.
Pois fa-nos descobrir
que a tradição é p'ra cumprir
e que mais do que nós somos um.
Vocês de capa traçada
mostram aquilo que um dia
queremos ser.
Com o preto, nossos ídolos,
levamos no pensamento
cada momento.
Chegou o dia de crescer
e caloiro deixar de ser.
O tempo não volta a trás.
Mas continuaremos a mostrar
seja a chorar ou a gritar
que temos mesmo orgulho em pertencer.
É o nosso orgulho
de diospiros a crescer
que nos ensinaram a ter.
E o vosso exemplo
vamos imortalizar.
Somos mais do que mil somos um.
E vamos manter
este modo de viver
e o laranja comigo trazer.
Nestas sessões de praxe,
onde tudo isto nasce.
Doutores: EU AMO VOCÊS!
2009

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Misticismo



Foi saltando
Até alcançar movimento.
Nesse teu corpo eu comando
Todo e mais algum pensamento.

Desviou-se da tormenta,
Acalentando o amanhecer,
Sendo uma pérola magenta
Duma cor qualquer.

Voltou ao mesmo refrão
Sem notar a altivez
Do seu pobre coração
Que bate de lés a lés.


Sílvia Gonçalves

domingo, 18 de abril de 2010

Só te resta a voz



Suaves e cintilantes copos de cristal pousam nos teus finos e delicados dedos. Não és tu que neles pegas. Eles pousam em ti.
Vestidos de seda contornados a renda deslizam-te pelo corpo. Não és tu quem os veste. Eles caem sobre ti.
O teu leito incita-te a dormir. Não és tu que nele te deitas, é ele que se chega junto a ti.
Nasceste para ser princesa. Nada fazes. Tudo está destinado a envolver-te e a desvendar os teus mais velados segredos.
Há um misticismo em ti. Em tudo que pensas. Em tudo que és.
Apenas uma coisa em ti é movida pelo teu ser, sem precisar de vontades alheias: a tua voz. Cantas arrepiantes melodias que fazem ondear a água do pequeno lago do teu jardim.
A maior força dos homens contínua a ser a sua voz!


Sílvia Gonçalves

sábado, 3 de abril de 2010

Prefiro gravar


Recordar não é necessariamente mau. Se fizer da realidade um livro de recordações vou permanecer enclausurada numa gaveta coberta de pó e marcada pela velhice.
Inovar a cada dia não é necessariamente bom.
Restam dúvidas que nos levam a questionar o nosso fundamento existencial.
Às vezes custa, outras não.
Ressaltar paredes e becos faz crescer.
Arranhar as nuvens com a ponta dos dedos dos pés faz rir.
Fazer cascatas de choro faz florescer uma nova floresta.
Escorrer sangue numa pedra limpa não é sujar, é purificar.
Tocar harmonias românticas faz contorcer os corações e estremecer a alma.
Todas estas sensações são reversíveis e passam a cada segundo no diapositivo da nossa curta e melada vida.
O que, com gozo, gosto de fazer é deixar as fotos de lado e usar gravações. Não é que o som e o movimento me fascinem incomensuravelmente. Mas é pelo prazer de fazer batota com a vida que teima em fragmentar todos os momentos quando o que quero é que neles permaneça a continuidade.
Vida, não és só tu que brincas!

Sílvia Gonçalves

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Às vezes sim, às vezes não


Esta noite sonhei um passado que julgava apagado.
Foi tão doce e real.
Será que a fortaleza de um sentimento forte nunca se pode desvanecer?
Quando abri os olhos, desejei contornar a situação com um breve suspiro.
Será que para sempre haverá pedacinhos de ti em mim? Talvez a teia que me tenhas lançado ainda não se tenha descosido na plenitude.
Sei que em ti já não existo. Talvez se os nossos olhares se cruzassem não fosse bem assim. Mas…ainda bem que não cruzam. Não quero voltar a sentir o peso de te apagar.
E a sensação do teu abraço ainda persiste em mim. Talvez para sempre exista no meu ser fragmentos do ser que foste e já não és. Mas não quero saber. A sensação até é boa. Pena ser irreal.
Mas, para me consolar, sinto orgulho no que em mim ainda existe. É sinal que não foi em vão tudo o que, um dia, no mais sentido abraço, te prometi.


“E uma lágrima cai, a cada beijo teu. Esta noite sou, dona do céu. Eu não sei quem te perdeu.”

Sílvia Gonçalves

sexta-feira, 26 de março de 2010

Um mistério qualquer



Tão depressa se deseja
Como de repente se abandona.
O que se serve na bandeja
É uma inquietude medonha.

Dizem que é amor,
Dizem que é paixão.
Há quem lhe saiba o sabor.
Há quem viva na escuridão.

Mais que um turbilhão de ideias
E um misto de sensações,
Na barriga sentimos sereias
E no peito tubarões.

Recorrendo amargamente
À doçura deste enleio,
Não sou forte nem valente,
Nem sequer tenho receio.

Sílvia Gonçalves

Meninos de ninguém




Meninos de fome,
Que vestem maus tratos,
Com corações sem nome.
De dor e guerra fartos.

Não é feliz vossa vida.
Não é suficiente a união.
Estais em constante partida,
Sem ter quem vos pegue na mão.

Sois meninos sem amor,
Desprovidos de amizade.
Sois frutos sem sabor.

Nos olhos nada vos brilha.
Andais cá sem andar.
Vítimas desta armadilha.

Sílvia Gonçalves

Comboio da minha vida


Neste comboio da vida
Onde, por vezes, fico abarcada
Tentando descobrir a saída
Ou, apenas, a carruagem adequada
Viajo incessantemente,
Numa procura imensa
De alegria que dure para sempre
E de luz perpétua e intensa.

Se embato sem querer
Foi o meu destino que prometeu
Numa circunstância eleger
Um comboio como o meu.
Desde que o choque não abale
Quem comigo possa trazer
O meu destino que fale
Justificando esse embater.

Sílvia Gonçalves

sexta-feira, 5 de março de 2010

Ele era um pintor...



Ele acariciava a tela com o pincel embebido na tinta mais doce que tinha.
Espreitava, pelo lado do vaso posto na varanda, a sua paisagem. Era uma paisagem humana que se movia ao som do bater suave do coração.
O retrato deste jovem pintor era uma mão a alisar fios de cabelo castanho que percorriam um rosto inquieto.
Era a altura de mudar de cor. Embebeu o pincel mais fino de todos na tinta mais escura. Objectivo: demarcar a escuridão com simplicidade.
O retrato movia-se o que dificultava a tarefa do pintor. Mas cada gesto era retido na sua mente a fim de ganhar cor. Talvez outra.
Começou a chover repentinamente e o vaso agitou-se com o vento e a tarefa do pintor ficou ainda mais complexa. Mas enquanto o que pintava permanecesse naquela outra varanda, do prédio em frente, o exercício da arte era possível.
Porque não pintar as formas torcidas da varanda juntamente com as plantas que a envolvem? Passava tudo por uma questão de inspiração.
Não era a varanda, inerte e fácil por isso, que interessava ao pintor. Também não era a dona do cabelo que lhe chamava a atenção. Era apenas aquele cabelo castanho e aquela mão pálida que de tão delicada chegava a meter dó.
Ele queria pintar a realidade. Para quê imaginar uma rapariga loira de cabelo brilhante e mãos carnudas? Não era essa imagem que ele via.
Pintou até os dedos desprenderem o cabelo e a mão cair sobre o peito. O cabelo completamente livre misturou-se com os tons do pôr do sol que atravessavam a avenida e adquiriu a mais bela cor de sempre. Porém, já era tarde e a rapariga entrou no quarto deixando um rasto de cortinas a esvoaçar.
Mas o pintor reteve aquela cor indefinida de cabelo misturado com o pôr do sol na memória e, misturando todas as cores que tinha, terminou a sua tela.
Uma tela distinta das demais……….porque pintou a realidade.


Sílvia Gonçalves

sábado, 13 de fevereiro de 2010

O nosso momento



Numa noite, dançamos apertados
Passos descompassados,
Era pura paixão.
E, sorrindo,
Fizeste parar o tempo,
Num doce movimento
Que quase me emocionou.

E dançamos pela noite fora
Até a hora de ir embora
Como um real casal.
E tu viste, o meu ser mais profundo
Deste-me a volta ao mundo
E apertaste-me junto a ti.

E as ondas,
Quebraram nessa noite.
O teu corpo dói-te
Por estar tão junto ao meu.
Paraste. Apertaste-me contra o peito
Fizeste de mim teu leito
Mas que momento especial.

E um beijo solta-se de qualquer jeito
Foi um beijo imperfeito
Não era para acontecer.
E assim, calados olhamos a lua
Com a alma toda nua.
Foi o nosso viver.

Sílvia Gonçalves

Versos soltos




Era um rio a arder
Onde as algas fumegavam
E, no espaço do meu ser,
Os teus olhos flutuavam.

Era, realmente, tormenta
Que agitava a água da nascente.
O que importa é a vida breve e sedenta,
Não faz mal não ser para sempre.

Atravessando a ponte
Fui ao outro lado,
Subi o cume do monte
Num paço largo e ponderado.

Não me dou por satisfeita.
Um romance igual
É a mais triste receita,
O pior vinco do mal.

Falas pouco
Mas quando falas, marcas.
O meu coração? Dou-to.
Não é relevante o que com ele faças.

Sílvia Gonçalves

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Amor é fogo que arde sem se ver

Este é o único poema que se encontra neste meu espaço que não foi por mim criado. Coloquei-o aqui por ser dos meus sonetos predilectos e por ter um significado especial.
Desfrutem de um exemplar de verdadeira poesia..

Amor é um fogo que arde sem se ver,
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente,
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís Vaz de Camões

Silêncio a mais?


Enquanto não falo, escrevo.

Enquanto não toco, suspiro.

Enquanto não luto, tenho medo.

Enquanto me refúgio, procuro abrigo.




Cada vez que me queres, reclamas.

Cada vez que sonhas comigo, procuras.

Cada vez que me desejas, me chamas.

Cada vez que sufocas, cometes loucuras.




Sílvia Gonçalves

Análise ao amor


O sentimento de amor vivido por muitas pessoas reparte-se por gavetas fechadas e papeis rasgados. Se não fosse o dia dos namorados, muita da gestão desse amor nunca seria feita. Nunca iriam parar aos sítios certos os momentos adequados e jamais os carinhos e afectos rumariam até aos locais ajustados.

Para muitas dessas pessoas, esse dia é uma forma de recorrerem à mesma loja de sempre, a fim de comprar as mesmas rosas de sempre, com o mesmo aroma de sempre e envoltas no mesmo tom de sempre.

Regra geral, o dia de S.Valentim obriga os casais a embrulhar o desprezo num papel apelativo, tentando simular o romance perfeito e esperado.

As horas passam, os dias passam, os anos passam…tudo parece saturar.

Mas porquê que o amadurecimento não parece ser compatível com amor? Porquê que o coração não se enruga com o entrar na velhice? Porquê que as pessoas não permitem uma proporção de amor por entre anos e anos de convivência?

Não faz sentido alguém deixar os elogios à porta, pensando que as pessoas já os adivinham. Eles são sempre necessários. E não vale evitar o perdão com a desculpa de que os erros e trapalhadas já se tornaram hábito.

Não faz sentido algum parar de olhar nos olhos como outrora, ansiando a mais doida proeza. Não devia ser permitido parar de sonhar, olhando todas as situações como previsíveis e, por isso, despidas de magia.

Devia ser proibido o “há tanto tempo que já te conheci” e obrigatório o “ainda bem que te conheci”.

Tudo bem que com o passar do tempo o coração pode deixar de ser vermelho. É normal que aconteça. Mas porquê que ele não assume várias cores? Cada experiência passada assumia um tom e, assim, o amor não se perdia e ia-se enriquecendo cada vez mais.

E também já não faz sentido pensar que o amor tem de ser vivido à beira mar numa noite de luar. O amor pode e deve ser sabedoria mais que aventura, para poder sobreviver no tempo e enraizar - se no coração.

Quanto àquele tipo de amor, se é que este pode ser categorizado, que só se alimenta na noite, na cama, tenho sérias restrições perante ele. Pois a cama pode assumir o estatuto de um palco, onde apenas se finge, não se vivendo a plenitude do amor. Curiosamente, a cama até está mais elevada relativamente ao chão, tal como um palco.

Para concluir, penso que o amor é como o humor: só aparece com o passar dos anos. Só depois de muito se aprender é que estes têm lugar na nossa vida.

Amar tem de ser mais do que dar e receber. Amar talvez apenas seja ser e ser-se, de modo sincero.



Sílvia Gonçalves